De acordo com as Dietary References Intake (DRIs/2001), a composição nutricional de uma dieta equilibrada e saudável para a população em geral varia entre 45 a 65% de carboidratos, 10 a 35% de proteínas e 20 a 35% de gorduras em relação a quantidade total de calorias na dieta. Já a dieta cetogênica deve apresentar em sua composição somente cerca de 5% de carboidratos ou 50g.
O termo “dieta cetogênica” se refere a todo e qualquer tipo de dietoterapia que induz a cetose no organismo humano, geralmente baixa em carboidrato, rica em gorduras e moderada em proteína. Atualmente existem pelo menos quatro tipos de dieta capazes de induzir o estado de cetose, são elas:
- Dieta cetogênica clássica: requer internação hospitalar para ser induzida, é um tipo bem severo em termos de restrição, comumente a proporção de gorduras para carboidratos e proteínas é de 4:1, ou seja, quatro gramas de gordura para cada um grama de proteína mais carboidrato.
- Dieta Atkins modificada: essa dieta pode ser melhor aceita entre as dietas cetogênicas por ser um pouco menos restritiva, a proporção é de 1:1 a 2:1, ou seja, 1 a 2g de gordura para cada 1g de proteína mais carboidrato.
- Dieta de triglicerídeos de cadeia média (TCM): geralmente implementada em ambiente hospitalar. Tradicionalmente essa dieta era composta 60% por TCM, porém resultava em efeitos gastrintestinais adversos como vômitos, dores abdominais e diarreia. Diante disso, foi adaptada e passou a ser composta 30% por triglicerídeos de cadeia média e 30% por triglicerídeos de cadeia longa.
- Tratamento de baixo índice glicêmico: essa dieta pode apresentar uma quantidade maior de carboidratos – entre 40 e 60g, contudo, deve haver controle rigoroso do índice glicêmico (parâmetro utilizado para classificar os carboidratos de acordo com a demanda de mais ou menos aumento de glicose e insulina no sangue).
Origem da dieta cetogênica
Originalmente, a dieta cetogênica havia sido utilizada em pacientes com epilepsia (patologia em que há perturbação das células nervosas resultando em convulsões) que não eram responsivos à medicação anticonvulsivante.
Com o tempo, a dieta cetogênica passou a ganhar adeptos com a promessa de ser uma potencial terapia alternativa para a obesidade e alterações metabólicas relacionadas, como diabetes, por exemplo.
O mecanismo da dieta cetogênica em nosso organismo compartilha vias similares ao do estado de jejum. Após um certo tempo de redução substancial do consumo de alimentos fontes de carboidrato, a glicose no nosso corpo se torna insuficiente para suprir a energia demandada pelo nosso sistema nervoso central, forçando o nosso corpo a utilizar a gordura como fonte de energia.
No entanto, ácidos graxos livres não são capazes de ultrapassar a nossa barreira hematoencefálica e, portanto, essa energia é fornecida na forma de corpos cetônicos. Os corpos cetônicos são formados no fígado a partir de um processo chamado cetogênese.
Mas, para que esse processo aconteça, além de requerer tempo, deve haver controle rigoroso do consumo de carboidratos, e o que isso significa na prática?
Bem, vejamos, se a quantidade de carboidratos na dieta não deve ultrapassar 5% do valor energético total ou 50g, uma dieta de 2000kcal deve ter entre 25 a 50g de carboidratos no máximo, considerando que cada 1g de carboidrato é igual a 4kcal.
Veja abaixo o que isso representa em termos de alimentos:
Alimento | Porção | Quantidade de carboidrato (g) |
Banana nanica | 1 unidade (86g) | 21 |
Arroz integral cozido | 4 colheres de sopa cheias (100g) | 26 |
Bolacha maisena | 1 Porção usual (30g) | 22 |
Pão francês | 1 Unidade comercial (50g) | 29 |
Refrigerante | 1 Lata (350ml) | 35 |
Tapioca | 1 Unidade (80g) | 51 |
Macarrão instantâneo | 1 pacote (80g) | 50 |
Fonte: TACO – Tabela brasileira de composição de alimentos.
Efeitos adversos das dietas cetogênicas
Quanto mais restritiva é a dieta cetogênica, a tendência de apresentar maiores efeitos adversos aumenta. Entre os efeitos adversos estão:
- Halitose;
- Risco para cálculo renal;
- Prejuízos no crescimento e desenvolvimento de crianças e adolescentes;
- Prejuízos na saúde óssea a curto prazo;
- Constipação e diarreia;
- Cãibras musculares e dores de cabeça;
- Deficiências nutricionais;
- Aumento de colesterol LDL.
Dieta cetogênica e emagrecimento
Cortar carboidratos emagrece mais? Será que a culpada pelo ganho de peso e obesidade é a insulina? Spoiler: não.
A dieta cetogênica pode induzir uma perda de peso rápida, o que causa um encantamento inicial em seus adeptos, mas essa perda de peso ocorre principalmente pelas perdas de água induzidas pela redução do armazenamento de glicogênio (nossa reserva de carboidratos que se localiza no fígado e nos músculos).
Quando não consumimos mais carboidrato pela dieta, esse armazenamento é utilizado e não é reposto, dessa forma, a água que está armazenada junto com o glicogênio é perdida também, isso nos dá uma falsa percepção de perda de peso.
O que devemos ter em mente é que a perda de peso ocorre quando há restrição calórica, ou seja, quando comemos menos energia do que gastamos, essa restrição deve ser feita de forma gradual e saudável para que possa ser mantida por um período capaz de gerar a perda do peso desejado e que não haja reganho do peso perdido.
As dietas cetogênicas são conhecidas pela baixa adesão, portanto, apenas uma pequena parcela das pessoas serão capazes de manter essa dieta.
Todas as dietas para perda de peso irão funcionar como um caminho para a restrição calórica, por exemplo, a dieta cetogênica irá reduzir a quantidade de carboidratos para que resulte na restrição de calorias, o jejum intermitente irá reduzir o tempo de alimentação para que resulte na restrição de calorias e a reeducação alimentar irá melhorar a qualidade da dieta e controlar o tamanho das porções de alimentos para que haja, finalmente, restrição de calorias.
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A dieta cetogênica na epilepsia
Apesar de ter adeptos por outras finalidades e até ter se tornado uma dieta da moda, o uso da indução à cetose por meio de jejum para pessoas com epilepsia foi documentada desde 500 anos a.C pela coleção hipocrática e foi citada na versão de King James da Bíblia.
A dieta cetogênica ganhou popularidade como medida terapêutica entre as décadas de 1920 e 1930, contudo, com o surgimento e desenvolvimento tecnológico de melhores anticonvulsivantes houve redução da orientação da dieta para pessoas com epilepsia.
Porém, na década de 1990 a discussão sobre a orientação da dieta cetogênica para pessoas com epilepsia retorna após um caso bem sucedido em uma criança de 2 anos.
A epilepsia é uma condição patológica que pode resultar em crises convulsivas, alterações de movimento e comportamento, ela pode surgir a partir de questões genéticas, erros inatos do metabolismo, infecções congênitas, infecções pós-nascimento, etc ou ser desenvolvida através de traumas adquiridos por lesões.
Essa condição pode se manifestar na infância ou na vida adulta. Embora cerca de 65% de pessoas com epilepsia podem se beneficiar do uso terapêutico de anticonvulsivantes ou entrarão em remissão espontânea durante a vida, há uma porcentagem de pacientes que não são responsivos aos medicamentos.
Esse grupo chamado de “epilépticos refratários” tendem a considerar terapias alternativas, como a dieta cetogênica ou vias cirúrgicas através estimulação do nervo vago, para reduzir as crises convulsivas.
Os estudos de intervenções com dietas cetogênicas em pessoas com epilepsia refratária apresentam resultados positivos na redução das crises convulsivas.
Embora, para que essa dieta seja orientada em crianças e adolescentes com epilepsia, deve ser feita uma análise clínica criteriosa por uma equipe interdisciplinar que esteja acompanhando o caso, a fim de garantir que os benefícios de uma dieta extremamente restritiva superem os riscos. Além disso, deve-se considerar que há pessoas que respondem de forma positiva aos efeitos benéficos da intervenção com a dieta cetogênica e outras não.
Os riscos para essa população tão jovem envolvem possíveis prejuízos no crescimento e desenvolvimento, saúde óssea e cardiovascular, além do desconforto que é estar em uma dieta restritiva, que pode gerar inclusive, efeitos gastrintestinais indesejáveis como vômitos, náuseas, etc.
Dieta cetogênica e câncer
Primeiro passo para iniciar essa discussão é compreender que “câncer” é um nome para mais de 200 doenças que envolvem crescimento anormal e descontrolado de células, portanto, seria muito inadequado afirmar que uma única intervenção dietoterápica seria capaz de reduzir efeitos os de todas essas doenças ou mesmo preveni-las.
É preciso saber que qualquer discurso de prevenção sobre câncer que envolve dieta cetogênica não está pautado na literatura científica e na saúde baseada em evidências e deve-se ter muito cuidado com esse tipo de informação.
Embora alguns estudos possam apresentar resultados promissores quanto a dieta cetogênica durante o tratamento de câncer, a maioria esmagadora é de baixa qualidade metodológica. Devemos ter em mente que uma pesquisa científica trata-se de uma pergunta e há diversas maneiras de respondê-la, existem maneiras consideradas “padrão ouro” que envolvem medidas diretas e objetivas com delineamento experimental adequado e maneiras subjetivas, indiretas e pouco precisas.
Aqui vai uma dica: as respostas confiáveis requerem caminhos “padrão ouro” e devem ser observadas em uma amostra populacional representativa, isso significa que é necessário muito mais do que “no meu vizinho fez efeito” para que uma determinada conduta se torne uma diretriz de saúde pública.
No caso das intervenções com dieta cetogênica em pacientes com câncer, um estudo de revisão publicado em 2018 no Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, salienta diversas limitações nessas intervenções, como: número limitado de estudos, diferenças na metodologia que envolviam duração indefinida da intervenção, tamanho de grupo amostral diferentes, falta de um grupo controle (se eu quero saber se uma intervenção funciona em determinada população, preciso de um grupo controle, esse outro grupo não irá receber nenhum tipo de intervenção e no final poderei dizer se houve uma diferença entre eles) e falta de controle de avaliação da dieta, definição de qual o tipo, estágio e terapia adotada do câncer estudado.
Todos esses fatores contribuíram para a baixa qualidade dessas intervenções e limitação em concluir que há qualquer tipo de benefício, portanto, há necessidade de desenvolvimento de mais estudos na área com maior rigor científico a fim de identificar algum benefício da dieta cetogênica em pacientes com câncer.
Mensagem final
Até o momento, a dieta cetogênica não tem se mostrado uma intervenção dietética superior às outras, como a reeducação alimentar, por exemplo, no caso do emagrecimento. O que nos leva a refletir se realmente é necessário adotar um estilo de vida restritivo e que pode promover riscos à saúde para emagrecer, quando o mesmo objetivo poderia ser alcançado com menos restrição e mais leveza ao fazer escolhas alimentares.
Vale ressaltar que mesmo no caso da epilepsia em que há evidência de benefício, a dieta cetogênica deve ser orientada e introduzida por profissionais de saúde para minimizar os riscos envolvidos, bem como avaliar se há de fato qualquer benefício para o paciente, considerando a individualidade biológica e o contexto sociocultural de cada um.
Texto escrito por Gabriella Rocha Pegorin, nutricionista e mestra em Ciências da Saúde pela UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo e extraído de Nutty Friends.
REFERÊNCIAS:
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O’NEILL, B.; RAGGI, P. The ketogenic diet: Pros and cons. Atherosclerosis. 2020.
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