Mãe recorre à Justiça para manter tratamento de filho com transtorno do desenvolvimento

Para reduzir custos, Planos de Saúde obrigam crianças a abandonarem tratamento em clínicas especializadas para serem assistidas em clínicas que realizam tratamento com baixa qualidade

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Victor, 10 anos, foi diagnosticado com TDAH-Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade. Há cerca de 6 meses recebe tratamento individualizado em clínica especializada em ABA (Análise do Comportamento Aplicada), intervenção comprovada cientificamente e indicada pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

“Para conseguir o encaminhamento por escrito para o tratamento em ABA fui abrigada a ir em busca de um médico particular. Isso porque os médicos do Plano de Saúde estão sofrendo coerção dos Planos para não indicarem o tratamento por escrito, ainda que façam isso verbalmente e nos incentivem pela busca.Os médicos dizem que estão sendo proibidos de indicar tratamentos que estão fora da rede credenciada,além de correrem o risco de serem descredenciados. E isso é ilegal. O médico precisa ter a liberdade para indicar o tratamento adequado, o que ele pensa ser ideal para o meu filho. Tive que gastar com médico particular para conseguir o encaminhamento. E sei de inúmeras mães que passam por isso,” comentou a mãe Larissa Fernanda, assistente de laboratório.
Após a mãe entrar com liminar na Justiça contra o Plano de Saúde, exigindo a cobertura dos custos, o juiz concedeu a liminar, e Victor teve direito ao tratamento. Mas para a surpresa da mãe, o Plano de Saúde obrigou a família a buscar outra clínica para dar continuidade ao tratamento. Essa exigência deixou Larissa muito angustiada. Ela agora está às pressas para a busca de uma solução:

“Quando entrei com a liminar contra o Plano de Saúde estava esperançosa que assim que saísse iria poder dar continuidade ao tratamento do meu filho.A surpresa é que o Plano não aceitou manter meu filho na mesma clínica. Muitos pais aceitariam isso, por não saberem do direito deles. Fui indicada para uma clínica que eu não tinha boas referências, que lá eles trabalham com estagiários para oferecer terapia às crianças com duração entre 8 a 10 horas por semana, enquanto meu médico prescreveu entre 30 a 40 horas por semana. Assim, descobri que é por isso que o Plano obriga as famílias a realizarem o tratamento ABA nessas clínicas, porque tudo é mais barato, porém com baixa quantidade e qualidade. E o que me espantou ainda mais foi a postura da clínica, que em momento nenhum respeitou a minha decisão de continuar o tratamento do meu filho na clínica atual, bem como o vínculo que ele já tinha com a terapeuta, demonstrando nenhuma empatia pela nossa situação, e me ofereceu apenas 8 horas de atendimento, dizendo que isso era o necessário, contrariando a prescrição médica.

Nós não procuramos por luxo, procuramos um tratamento sério, horas de terapia necessárias. Não quero ser obrigada a prejudicar o tratamento dele. Eu não aceito isso, me sinto injustiçada. Eu pago certinho o Plano, é o direto que temos, que meu filho tem e todas as crianças também! Estou correndo atrás e vou conseguir”, desabafa Larissa emocionada.

O que diz a Lei

O advogado Idalvo Camargo de Matos Filho,que atua na defesa profissional médica, comenta que o médico deve ter a liberdade para diagnosticar, segundo seu conhecimento científico, e indicar o tratamento que achar eficaz para o paciente:

“O médico que se sentir obrigado a não indicar qualquer terapia pelas operadoras de Plano de Saúde pode procurar o Conselho Regional que está filiado,ou, no caso de descredenciamento, ou outro prejuízo que possa sofrer, pode procurar o Judiciário para solucionar essa pendência.”
De acordo com o Artigo 7º do Código de Ética Profissional do Psicólogo, nenhum profissional psicólogo poderá intervir na prestação de serviços psicológicos que estejam sendo efetuados por outro profissional, apenas em situações específicas, como em casos de pedido do profissional responsável pelo serviço; caso de emergência ou risco ao beneficiário ou usuário do serviço, quando dará imediata ciência ao profissional; quando informado expressamente, por qualquer uma das partes, da interrupção voluntária e definitiva do serviço; quando se tratar de trabalho multiprofissional e a intervenção fizer parte da metodologia adotada.

A advogada Débora Lubke,que atua na área da saúde, explica que caso essas situações não ocorram, o paciente tem o direito de dar continuidade ao tratamento que já iniciou:
“O CRP (Conselho Regional de Psicologia) deixa claro que o paciente em atendimento não pode ser atendido por outro profissional. Um psicólogo não pode interferir no tratamento do outro. Há necessidade de vínculo de confiança entre o paciente e psicólogo, e quando isso se estabelece, não pode o Plano de Saúde obrigar a ser de outra forma. É uma questão ética. É direito do paciente”, comenta a advogada.

A Lei que rege os Planos de Saúde também assegura o paciente o direito ao reembolso,em caso de tratamentos que não constam na rede credenciada do Plano.

“É um entendimento pacificado nos tribunais. O paciente tem direito ao tratamento, mesmo que não seja oferecido na rede credenciada do Plano. É importante salientar que o Plano responde solidariamente pelo atendimento quando contrata uma clínica particular, pois está terceirizando o serviço. Desta maneira, deve adotar os critérios mínimos nessas contratações, e não obrigar a família a tratar o filho onde os profissionais que atendem as crianças não possuem formação básica, especialização e experiência na área, apenas por conta do menor custo cobrado. Muitas vezes percebemos que alguns Planos têm essa postura como uma forma de tentar fazer com que a família desista da ação judicial e até mesmo do tratamento. Diariamente temos que demonstrar para o juiz que se algumas clínicas indicadas pelo Plano de Saúde não possuem condições mínimas de oferecer determinados tratamentos, e que se a família não sentiu segurança nos profissionais da clínica indicada, o Plano deve trocar. Se há vínculo terapêutico entre paciente e profissional, deve ser respeitado. Isso porque a confiança é requisito mínimo para um tratamento psicológico. Os pais que devem escolher, e não deixar o filho correr o risco de não ter o desenvolvimento adequado. E caso uma criança seja obrigada a realizar o tratamento em uma clínica ou com um profissional que não desenvolva o trabalho adequado, a família poderá (quando comprovada a situação), entrar com uma ação de danos morais contra o Plano de Saúde”, salienta a advogada.

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