A crise de refugiados e a educação infantil

Especialista em educação do Colégio Salesiano afirma que choque de cultura e barreiras linguísticas podem gerar problemas físicos, psicológicos e até sociais para alunos estrangeiros

0
514
SB post

Estamos vivendo atualmente a mais grave crise de refugiados desde o fim da II Guerra Mundial, em 1945. São mais de 65 milhões de pessoas que foram obrigadas a deixar seus lares, fugindo de guerras, conflitos internos, perseguições políticas e violações de direitos humanos. O Brasil tem sentido os efeitos dessa crise, porque o fluxo de imigrantes e refugiados aumentou, assim como a presença de estudantes de outras nacionalidades em escolas brasileiras: o número de matrículas de estrangeiros cresceu 112% em oito anos.

Levantamento feito pelo Instituto Unibanco, com base nos dados do Censo Escolar 2016, aponta que o número de matrículas de estudantes imigrantes ou refugiados passou de 34 mil em 2008 para 73 mil em 2016. A maior parcela está sediada no estado de São Paulo, com 34,5% do total do país. Segundo a Secretaria Estadual da Educação de São Paulo, são 10.298 estrangeiros matriculados. Os bolivianos são mais de 4 mil, seguidos pelos japoneses (1,2 mil), angolanos (550) e haitianos (540). Todos nós possuímos aspectos de nossa vida que são ancorados na cultura que compartilhamos com o meio social em que nos desenvolvemos. A cultura é parte do que somos e responsável por como vemos e entendemos o mundo em que existimos.

Esses costumes manifestam-se em nossa aparência, na forma como nos vestimos e até em nossas refeições diárias, na culinária que adotamos como usual. Crianças refugiadas, como ainda estão com a personalidade em formação, acabam desenvolvendo também uma cultura diferente dos seus ancestrais. Na medida em que esse aspecto tão amplo de nossas vidas é dinâmico e mutável, ela passa por uma modelagem, que é chamada aculturação. Trata-se do nome dado ao processo de troca entre culturas diferentes a partir de sua convivência, de forma que haja uma influência sobre a construção do outro.

Estresse de aculturação

A falta de apoio social adequado aos alunos que vêm do exterior pode levar ao estresse de aculturação, resultado do contato do imigrante com duas culturas diferentes – entre o país de origem e de acolhimento – e suas diversidades. Essa situação pode desencadear fatores estressantes, como a discriminação e conflitos de valores. O estudante precisa, então, reaprender atividades simples do dia a dia como cumprimentar, pedir para ir ao banheiro, solicitar comida ou comunicar um mal-estar. Na chegada aos locais de acolhimento, tanto os alunos quanto seus pais confrontam-se com um contexto novo que inclui diferenças do meio ambiente físico e social, choque de culturas, estilos de vida, barreiras linguísticas, diferenças nos sistemas legais, entre outros. Estas circunstâncias podem gerar problemas físicos, psicológicos e sociais.

Na rede Salesiana, o Colégio Liceu Coração de Jesus tem convivido com essas crianças e jovens de perto, porque a unidade está localizada no centro de São Paulo, um dos pontos de apoio de imigrantes e refugiados no Brasil. Essa é uma preocupação frequente da instituição. No momento em que a família tem o primeiro contato com a escola, a coordenação conversa com os pais e com a criança para que se sintam acolhidos e ao mesmo tempo seguros de que a parceria Escola-família é sempre um trabalho a ser feito a favor do bem-estar do aluno.

A instituição procura estar próxima da família para conversas e orientações, muitas vezes com atividades elaboradas como um reforço para ser feito em casa, mas acompanhado pelo professor. Como mediadores em sala de aula, os docentes conseguem aproveitar conhecimentos trazidos de casa e, no caso de imigrantes, muito desse aprendizado agrega ao conteúdo que está sendo trabalhado na sala de aula. Alunos que já estão mais adaptados – inclusive com a língua, depois de algum tempo da escola – ajudam os que chegam a cada ano. Os estudantes da Rede Salesiana são formados para ter caráter íntegro, mas com carinho e compreensão. Inserir estudantes estrangeiros na realidade desses jovens é uma forma de ensiná-los que o diferente também deve ser respeitado e acolhido.

* Especializada no atendimento das necessidades dos alunos, Angélica Maria Biazioli Gomes é Coordenadora Pedagógica do Ensino Infantil e Fundamental I no Liceu Coração de Jesus.

Publicidade

DEIXE O SEU COMENTÁRIO

Digite seu comentário!
Digite seu nome