Economia solidária é dar um pouco a quem nada tem

Publicada em 1776, A riqueza das Nações, conjunto de livros do economista escocês Adam Smith, é considerada a bíblia do capitalismo

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Publicada em 1776, A riqueza das Nações, conjunto de livros do economista escocês Adam Smith, é considerada a bíblia do capitalismo. Exatos 91 anos depois, o economista alemão Karl Marx publicou o primeiro volume de O Capital, que se tornaria a bíblia do socialismo. As duas teorias, porém, são criticadas até hoje por especialistas do mais alto nível, simplesmente porque delas se esperava a realização de algo impossível: a perfeição em um planeta com diferenças tão grandes quanto o número de países. O Brasil não é exceção. Muito pelo contrário. Por mais que se insista no capitalismo no país, ele só faz distribuir injustiças. Segundo a Pesquisa Desigualdade Mundial 2018, o Brasil tem a maior concentração de renda do mundo, com 30% nas mãos de apenas 1% da população. Se tão poucos possuem tanto, isso que dizer que muitos não têm nada.

Sonho de Paul Singer virou política de governo em 2003

Nem Smith, nem Marx. Mas Singer, Paul Singer – o economista austríaco de nascimento, mas brasileiro de alma e coração, que lutou até a morte, em abril passado, por uma modalidade de organização econômica do trabalho, na qual o socialismo brota dentro do capitalismo, sem no entanto destruir o hospedeiro: a economia solidária.

Seu livro Introdução à economia solidária, lançado em 2002, é apenas um de uma série de obras dedicadas ao tema e que ele deixou como legado para que a meta de um país mais justo não seja esquecida e abandonada. “Tenho certeza que meu pai diria que, apesar de todas as dificuldades do momento, vai dar certo”, disse seu filho André no velório de adeus a Paul Singer, morto em 16/4/2018.

“Que se persistirmos e continuarmos a pensar juntos, vai dar certo.” Já está dando certo – ainda que a um ritmo mais lento do que se poderia. Bem ou mal, o fato é que o Brasil tem 30 mil empreendimentos solidários, nos mais diversos setores, principalmente na agricultura familiar – não por acaso a área em que a desigualdade social brasileira é uma das mais pungentes.

Essas iniciativas de economia solidária faturam R$ 12 bilhões ao ano, gerando renda para mais de 2 milhões de pessoas. Pode não parecer muito, mas os números tornam-se consideráveis se for levado em conta que desde 1996, quando Singer formalizou sua doutrina, até 2003, nunca houve reconhecimento nem incentivo governamental. Uma grande conquista do movimento – como Singer gostava de chamar a economia solidária – foi sua inclusão como política de governo, ainda no início da gestão Lula. Por sugestão de Singer, foi criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária, vinculada ao Ministério do Trabalho. E ele a comandou durante treze anos, de 2003 a 2016. Saiu triste – e não pelo cargo, que nenhum político quer – logo após o impeachment de Dilma Rousseff e a oficialização de Michel Temer no cargo de presidente. Afinal, ao capitalismo à moda brasileira não convém reduzir a desigualdade. Mas nem por isso a secretaria deixou de existir, embora certamente tenha perdido muito de sua força com a mudança ideológica de governo.

Legado eterniza meta de reduzir desigualdade

O legado de Paul Singer, no entanto, é mais forte e vai manter viva a meta de reduzir a desigualdade no país. “Ele dedicou praticamente toda sua vida ao estudo aprofundado de como construir uma nação justa, fraterna, solidária, tema que o tornou referência dentro e fora do país”, afirmou o ex-senador e atualmente vereador por São Paulo Eduardo Suplicy. “A economia solidária é praticada em todo o mundo, tendo características diversas que se adaptam à cultura local, como o microcrédito nos Estados Unidos, por exemplo, que viabiliza diversas iniciativas com apoio das universidades”, acrescentou Suplicy. A deputada estadual paulista Márcia Lia arremata: “Ele foi mais que um intelectual de esquerda, foi um verdadeiro revolucionário que juntou teoria e prática, sendo até o fim da vida coerente com o que sempre lutou e acreditou. Paul Singer não é mais corpo, mas suas ideias ficarão eternizadas na história.”

Líder nato, plantou sementes por toda parte

Por pouco o Brasil não perdeu Paul Singer. Órfão de pai desde os 2 anos, esse judeu austríaco veio para cá com a mãe fugindo da perseguição nazista. Chegou no dia do seu aniversário de 8 anos, em 24/3/1940. Embora gostasse do país, dez anos depois quase foi embora. Israel era um novo país, criado pouco antes, e ele decidiu ir para lá com um grupo de amigos para ajudar a construir uma sociedade sionista e socialista. Na última hora, desistiu. Sua mãe não queria ir embora daqui e, sem ela, Paul não iria.

Sorte do Brasil

Graças à dona Carolina, seu filho ficou, naturalizou-se brasileiro e se tornou um dos mais importantes intelectuais do país. Nessa trajetória, começou a trabalhar aos 14 anos para ajudar a família, fez curso de eletrotécnico e se filiou ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Com vocação para a liderança, teve papel de destaque na chamada greve dos 300 mil, em 1953. Mas o metalúrgico queria mais. Passou na Universidade de São Paulo, onde estudou economia, se doutorou e foi professor até o último dia de sua vida.

A partir daí começou a se transformar não só num dos mais importantes estudiosos da economia brasileira e de seus mecanismos de desigualdade, mas também um militante dessas causas. Foi, por exemplo, um dos fundadores do PT – ao mesmo tempo teórico e defensor da economia solidária – e atuou como secretário nos governos Lula e Dilma.

No último quarto de século não só estudou como também plantou sementes de economia solidária por toda parte. Elas começam a germinar, mas é preciso paciência – e rega – para que se tornem árvores frondosas para o sofrido trabalhador brasileiro. E não estava nem um pouco preocupado com seu ego. “Nunca tinha pensado em dar um nome para essa minha proposta”, disse ele em uma entrevista à revista EasyCoop. “Foi o Aloysio Mercadante quem sugeriu o nome, quando perguntou como ela se chamava e eu não sabia.” E foi com essa humildade que Paul Singer partiu aos 86 anos no dia 16 de abril.

Website: http://www.easycoop.com.br

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