O Brasil é um país onde as leis e regras mudam com uma frequência impressionante. É alíquota que cai, imposto que sobe. É desconto que vai, é direito que some. O obrigatório hoje por ser o proibido amanhã. Quase sempre essa gangorra legal é impulsionada por forças com interesses específicos ou necessidades de ocasião. Havia, no entanto, uma lei que praticamente nunca mudava: a CLT.
A consequência era que quase todo trabalhador brasileiro, com 18 ou 81 anos de idade, conhecia seus direitos e deveres básicos. Conhecia. Com a reforma trabalhista que entrou em vigor em dezembro, tudo mudou. As dúvidas não são poucas, mesmo para quem tenha um certo traquejo com questões legais. No caso das cooperativas de trabalho, a questão é particularmente complexa, pois seus trabalhadores já viviam num limbo regulatório, uma vez que a CLT não contemplava todas as suas particularidades. Até hoje não regulamentada, a lei 12.690 já levantava polêmicas, por exemplo, sobre a terceirização por meio de cooperativas. A reforma intensifica esses temores, pois permite a contratação de mão de obra “especializada” em qualquer atividade, inclusive a atividade-fim das empresas que contratarem uma cooperativa desse tipo. Mas há várias outras alterações que geram dúvidas. Para começar a debater o impacto da reforma sobre as cooperativas de trabalho, a revista EasyCoop entrevistou por e-mail o advogado Josmar de Maria. Confira os principais trechos:
EasyCoop – Que avaliação geral o senhor faz da chamada reforma trabalhista para as cooperativas de trabalho? Positiva ou negativa?
Josmar de Maria – Apesar de a reforma trabalhista, na sua essência, ter como objetivo atingir os trabalhadores celetistas, existem alguns pontos que podem ser muito benéficos ao sistema cooperativista. Um exemplo é o artigo 442, que diz o seguinte: “Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego. Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associa dos, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela.” É preciso, no entanto, salientar a importância de fazer um aditivo contratual para os contratos já existentes. Os novos contratos já devem ser adaptados à nova lei, sempre segregando remuneração, reembolso de despesas e equipamentos.
EasyCoop – O que a reforma trabalhista muda para as cooperativas de modo geral e, em particular para as cooperativas de trabalho?
Josmar de Maria -As cooperativas de trabalho deverão aproveitar este momento de mudança para adaptar seus estatutos, seu regimento interno, promover treinamento adequado aos seus gestores para que possam disseminar uma nova cultura de prestação de serviços atrelada à legislação vigente. As cooperativas de trabalho poderão criar mecanismos de informação e documentação formal de modo a minimizar as dúvidas e as demandas trabalhistas tão comuns neste segmento. As cooperativas de trabalho cada vez mais têm acenado para uma segmentação de determinado setor, ou seja, não há mais espaço para generalistas e, sim, especialistas. Um exemplo são as cooperativas de trabalho de TI, segmentadas em algum serviço especializado, como consultoria e programação. Outro exemplo são as cooperativas de trabalho de profissionais da saúde, mas com especialização. Podemos mencionar ainda as de cuidadores de idosos e assim por diante. Cada cooperativa deve interpretar as novas mudanças e aplicá-las de forma eficaz em suas operações.
EasyCoop – Quais são os principais destaques, de modo genérico, da nova legislação no que diz respeito às cooperativas de trabalho?
Josmar de Maria -Podemos considerar cinco as principais mudanças da nova legislação: a reafirmação do não vínculo empregatício a profissionais autônomos; a prescrição intercorrente dos processos trabalhistas; a diferenciação dos valores de depósitos recursais para entidades sem fins lucrativos; o teletrabalho e/ou trabalho remoto; e a possibilidade de livre negociação com os profissionais que ganham o dobro do teto do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
EasyCoop – O cooperativismo do trabalho tem características diferentes dos demais ramos. E mesmo nas cooperativas de trabalho, há diferenças, pois há as que efetivamente prestam serviços e outras que apenas oferecem mão de obra. Neste segundo caso, qual a diferença entre esses trabalhadores e empregados formais aos olhos da nova lei?
Josmar de Maria – Esse tipo de comparação sempre vai existir entre celetistas e cooperados. São regimes jurídicos distintos. O que devemos observar é que em ambos os casos tratamos com seres humanos, e o mínimo de proteção ao trabalhador deve ser respeitado. Por exemplo: utilizar EPIs (equipamentos de proteção individual) é necessário tanto para celetistas, autônomos ou cooperados, pois sabemos que é necessário e mais seguro respeitar uma carga horária adequada. Da mesma forma, nenhum ser humano é mais produtivo ou se cansa menos por ser cooperado ou celetista. Por isso, cabe acima de tudo o bom senso nessas relações. O equilíbrio financeiro também é importante para que não ocorra uma disparidade de ganho de um lado ou de outro, ou até mesmo banalização.
EasyCoop – O senhor poderia comentar sobre a lei geral do cooperativismo, a 12.690? Há conflitos entre elas?
Josmar de Maria – As legislações se complementam, e o termômetro será o próprio mercado e a interpretação do Poder Judiciário, que ao longo do tempo vai tomar tendências e formar opiniões. É preciso frisar que o tema da reforma trabalhista (em vigor desde 11 de novembro de 2017) não se esgota aqui, pois somente a prática, a aplicabilidade da lei em casos concretos, as tendências de nossos tribunais e, claro, as mudanças de comportamento e gestão dos segmentos que compõem toda a gama de empregabilidade e prestação de serviços é que irão fazer toda a diferença nos novos rumos do conceito de emprego e trabalho.